Tem gente que pensa até hoje que as
palavras de Jesus são mandamentos arbitrários e morais. Pensam que é assim
apenas porque Deus quis que fossem assim; por um capricho.
De fato, quando alguém, no entanto, se
pergunta: qual é chamado do Evangelho?—logo ele terá que responder que é
realizar a Vida em nós. E por Vida quero dizer tudo aquilo que é a plenitude de
nós em Deus e de Deus em nós. “Até a estatura do varão perfeito”, diria Paulo.
Ora, se é assim, o mandamento
único—essa uma só coisa que está em tudo o que Jesus disse, fez e ensinou—é a
chave da própria Vida.
Amor é o mandamento. Deus é amor, e Seu
mandamento é amor. A Vida nasce do Amor. Pois sem amor não há vida.
Assim, quando Jesus reduz tudo ao amor
a Deus e ao próximo, e manda amar a todos, até ao inimigo, Ele está apenas
dizendo que sem amor não há vida. E que o único poder que vence o mal é o poder
do amor.
Portanto, quando Jesus manda amar, Ele
ordena a Vida. Ele afirma a vida como essência de Deus, pois Deus é amor. Ele
capacita o ser para a experiência da vida, posto que tal só se dá no amor. Ele
fortalece a vida, visto que aquele que ama o inimigo é quem tem o controle.
Esse não tem nenhum senhor entre os homens, pois, entre nós os escravos sempre
o são do medo e (ou) do ódio.
Desse modo, amar o inimigo é também um
ato de sabedoria. É o mais forte e insuportável ataque: aquele que enfrenta o
ódio e o vence, pois não se deixou contagiar por ele. Esse segue livre em seu
caminho de vida.
Quem odeia se casa com a morte. Pois
assim como a vida procede do amor, a morte também procede do ódio.
Por isto quem odeia não conheceu ainda
a Deus, pois Deus é amor!
Como pode um coração cheio de ódio,
amargura, ressentimento e espírito de vingança, conhecer o Deus que é amor?
Mas aquele que ama é de Deus, o
conhece, Dele procede e Dele é nascido. Esse tem vida. Esse vence o mundo. Esse
não tem ídolos, pois, somente aquele que também não se dobra ao ódio e ao medo
é que não se curva ao ídolo.
O grande engano maligno é que os
cristãos ouviram Jesus com ouvidos morais, e imaginaram o mandamento como algo
moral, e criaram uma forma moral de interpretar o mandamento, e desenvolveram
um sentir moral para sentir o mandamento, e, por fim, concluíram que o
mandamento era um peso, e, por isso, fizeram-no ser a “vereda do justo e
santificado”, e que anda nesse caminho “vicariamente” por todos os que nele não
caminham, e que em razão de tal sacrifício e gestos exemplares em altruísmo,
será justamente galardoado.
Isto porque se pensa que a grande honra
de um homem está em responder à altura, está em não levar desaforo para casa,
está em mostrar espírito de combatividade, está em demonstrar que está do lado
dos que sempre revidam, ou, ainda, dos que batem logo primeiro.
Há também daqueles que dizem que dão um
boi pra não entrar, e uma boiada para não sair.
A via da total calma, do controle da
ira, da raiva, do revide, da explosão do enfrentamento, é vista como a via do
fraco, do otário, do incapaz, e do covarde.
Ah, sinceramente eu lhes digo: se o
caminho da Vida fosse o do enfrentamento e da total falta de medo dele, então,
saiba, eu já seria um glorificado, vivendo em estado de êxtase, posto que, de
minha parte e conforme a minha natureza, nada há mais fácil do que não se
controlar... e partir pra dentro.
Meu coração, todavia, tem sido vencido
pelo mandamento, e sabe porque o mandamento é como é, posto que seu fim é gerar
vida.
No entanto, muito mais coragem se
demanda para não resistir ao perverso, para não enfrentar com ódio, para andar
milhas e milhas de compaixão, e para andar em silêncio sob a malícia e o juízo,
e acerca de muitas outras coisas.
No curso da minha existência fui
discernindo cada vez mais o mandamento como vida, e apenas como vida e
libertação de toda escravidão. Isto porque tive que aprender que esse é o
verdadeiro caminho da coragem, e que por ele anda-se livre.
Ninguém tem poder sobre aquele que a
ninguém odeia!
Carregado de poder caminha aquele que
anda em amor, e que contempla o inimigo com uma oração e uma benção em
silêncio, e que vê nele não um combatente, mas sim uma vítima da fraqueza do
poder dos bichos pueris.
Esse tem um só Senhor, e ninguém mais
terá o poder de desviar o curso de seu caminhar. Esse, onde quer que morra,
morrerá livre. Esse, sim, é filho da Vida.
“As minhas palavras são espírito e
vida...”, disse Jesus.
Retirado de: Reflexões – Caiofabio.net